Quando se carrega mágoas da separação do casal
O amor que um filho sente por seus pais é de uma grandeza que não se pode medir. As situações familiares que envolvem o desenvolvimento de uma pessoa podem transcorrer de infinitas formas, mas nada muda o fato de que sua natureza é metade mãe e metade pai, mesmo quando não se é criado por um deles, ou ambos.
Quando o pai ou a mãe cometem atos que desencadeiam fortes dores emocionais para a família, a tendência do filho é entrar numa posição de aliança, consciente ou inconscientemente.
Se, por exemplo, o pai vai embora sem que a situação seja amplamente conversada e elaborada pela criança e sua família e, especialmente se isso gera angústia prolongada na mãe, é comum a criança se aliar à dor da mãe, muitas vezes “procurando ficar sozinha como ela”. Isso ocorre porque o amor e a ilusão de que a mãe não consegue dar conta daquilo é tão grande, que a criança age na vida como se “ajudasse à mãe” a carregar o fardo pesado. É implícito aí uma certa mudança de ordem, porque acontece como se o filho se colocasse maior do que a mãe, não confiando na força dela para cuidar do problema. Além disso, algumas mães agem mesmo como se não conseguissem superar os acontecimentos.
O problema desse amor todo é que uma pessoa que cresce assim costuma, também inconscientemente, repetir em sua vida histórias de relacionamentos interrompidos, porque fica identificada com a história da mãe e em sua fantasia oculta, está dividindo, ajudando a carregar o peso da dor familiar. A separação pode ser concreta ou velada, ou seja, muitos casais ficam fisicamente juntos, mas não vivem como casais. O filho que, no caso, vive isso por muito tempo, geralmente confunde a entidade “pais” com o conceito “casal”. Quem se separa é o casal; pai e mãe existem para sempre dentro da criança, sejam quais forem suas atitudes.
Ainda no mesmo exemplo, se a criança julga o ato do pai e fica magoada com ele, porque muitas vezes também sofreu com uma separação traumática, ela pode repetir isso em sua vida, atraindo alguém que a abandone ou pode ficar identificada com o pai, abandonando também. E qual o sentido disso? É que, por mais que a criança, sendo depois o jovem que cresce, julgue e discrimine atos errados, o amor por aquele ser que se foi representa 50% de seu DNA, de sua emoção boa ou má, de sua alma de filho, enfim, tem imensa força para atuar em sua dinâmica oculta, porque o amor pelo pai não morre com a raiva, apenas se oculta. Sendo assim, esse amor “pede” para ser olhado, honrado e dignificado através de uma repetição, ou de um sintoma, seja da ordem que for. As repetições costumam estar homenageando alguém. E não duvide, somos capazes até de morrer em honra a um excluído importante de nosso sistema.
Qual é a solução para o conflito então? Primeiro reconhecer que você vem de um pai e de uma mãe - para a verdade da alma, não importando a história. Observar em sua circunstância atual o que está acontecendo, como no exemplo dado se poderia pensar: Estou indo embora? Estou sendo abandonado? Interrompo um movimento de amor? Estou magoando? Estou repetindo o quê? Avalie profundamente se vale a pena, de acordo com o sofrimento que você está passando, manter as mágoas, os julgamentos, as críticas, ou até a aliança com alguém que sofre. Comece então a traçar uma estratégia de apaziguamento em seu coração e não se concentre em perdoar ninguém porque quem perdoa é porque está julgando e assim se colocando acima dos pais. Trabalhe-se na dissolução desse emaranhamento onde se colocou um dia pela força de um amor. Lembre-se que existe algo muito maior nesta vida acima de todos, e especialmente acima de nossa visão parcial, algo que sabe gerir e a natureza e a vida.
Assim, manter-se em julgamentos apenas reforça e traz de volta para a nossa alma uma a história de dor que poderia estar quieta no tempo. Se algo aconteceu, assim está feito; prolongar o ato nos aprisiona e rouba nossa força. Todos dão conta de seus atos de alguma forma, não é nosso julgamento que torna a pena mais ou menos forte, ao contrário, quando aceitamos o “assim foi”, ganhamos imensa carga de energia para aplicar em nossa vida, porque toda aquela energia que estava lá, deslocada para os conflitos parentais, volta para nós e nos impulsiona a poder fazer uma história diferente, de acordo com as necessidades do nosso Eu Maior.
Vera Estrella
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